segunda-feira, 15 de junho de 2009

Os primeiros passos no caminho de tornar-me EU

Quando eu tinha dez anos, vi, de longe, um rapaz moreno de olhos bem verdes, tocando uma bateria com um talento impressionante. Eu já estava aprendendo a dar as primeiras batidas, também.


Fiquei fascinada.

Guardei aquela paixãozinha infantil comigo até o início da adolescência, quando finalmente fomos apresentados. A essa altura, eu já sabia até o telefone da casa dele, de cor. Dia do aniversário. Endereço. Tudo o que deu pra saber da distância em que eu o olhava.


Ele era um sonho inalcançável num dia e no outro estava me chamando pra sair, pra assistir sua banda tocar, pra tomar um sorvete. Me buscava na escola, me levava pra lanchar no Mc Donalds. Me abraçava com uma mão e tocava a bateria (melhor que muitos outros bateristas por aí) com a outra. Me enchia de elogios e presentes. Ligava, passava horas ensaiando pra me ligar e falávamos por alguns segundos. Esses segundos se estenderam em minutos e em horas.
Ele nunca imaginou que eu havia enlouquecido por ele há 3 anos e desde então. Ele jamais sonhou que eu o desejava muito mais que ele a mim. E por quê? – Hoje me pergunto. Eu nunca revelava nada. Nunca me revelava. Eu olhava para os lados para não ver aqueles olhos verdes e me trair, me entregar por eles, como se eles pudessem me ler por dentro. Eu ainda não sei porque ele não podia saber. Ou porque eu não podia querer.


Então minha irmã “descobriu” tudo. E, mais bonita e mais velha que eu, prometeu-me que não permitiria que eu e ele tivéssemos um romance: “Nem que eu tenha que seduzi-lo”, ela disse “mas você não vai ficar com ele”.


Hoje é muito estranho repetir isso, porque não faz sentido. Até passa a fazer um certo sentido que ninguém pudesse saber dos meus desejos, porque eu não poderia desejar.
Dito e feito, recusei continuar saindo com ele e declinei seu pedido de namoro. Aparentemente porque eu só tinha 13 anos. Até faz sentido. Ele fez deus e o mundo saber o que eu tinha feito e declarou greve de fome, enquanto eu não o aceitasse. (Engraçado esses dramas que agente faz quando é adolescente, não é?) Então ele me ligou dizendo que tinha comido e quebrado a greve. Eu disse que isso era muito bom. Ele perguntou se podíamos ser amigos, então. Eu garanti que ele podia contar com minha amizade até as últimas conseqüências. Então ele pediu minha ajuda com uma menina que ele estava gostando. Fiquei contrariada por dentro imaginando que fosse a velha cantadinha de sempre e que ele se referisse a mim:


- Tô afim da sua irmã. O que faço?


Por algum motivo pelo qual sou grata não me lembro o que respondi, mas me lembro de chorar e esbravejar em meu quarto, com a fala arrogante dela prometendo seduzi-lo ecoando nos ouvidos. Naquele dia me prometi por escrito que teria o homem que quisesse. E quantos homens quisesse. Com a freqüência que quisesse. Eu decidi que tinha um poder de sedução que ninguém conseguiria abalar, mesmo com meu corpo de criança, meu cabelo rebelde, a boca estufada pelo aparelho e pelo excesso de dentes. Mesmo contra minha irmã com seus seios formados e seu traseiro enorme. E que não me importaria com mais nada, só com meu próprio querer. Que nada me impediria de usar esse poder.

E usei.


Um ano mais tarde, provei do beijo do baterista moreno de olhos verdes uma vez e mais uma apenas. E o fiz passar alguns dos anos seguintes implorando pra me ter de novo. Eu lhe dava a atenção suficiente e necessária apenas para que ele continuasse a me buscar na escola, me acompanhar no centro de Taguatinga, me levar pra lanchar antes do ensaio da banda – a essa altura eu já estava em uma e ele sem a dele. O suficiente pra ele manter o interesse, mas cuspindo sobre ele meu orgulho ferido, dizendo que não houvesse um segundo que havia gastado com ele de que não me arrependesse. De que tinha nojo dele. De que tinha ficado com ele aquelas duas vezes apenas para provar que podia. E que poderia quando e o quanto quisesse.

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